7.11.10

eu já não sei quem você é.

querida _,
eu fico aflita ao pensar em como as coisas funcionam por um motivo muito simples: eu não sei como as coisas funcionam. eu sei como elas funcionaram algumas vezes, sei de alguns padrões que se repetiram e de algumas exceções também, mas a verdade é que eu nunca fui boa com números e não tenho habilidade alguma pra estabelecer uma estatística: então eu não sei como vai funcionar dessa vez. e essa minha aflição vira medo, e meu medo frequentemente (isso eu já sei dizer) vira choro. então eu sou chorona muito provavelmente porque sou medrosa. e aí a aflição, o medo, o choro: tudo porque eu não sei como as coisas funcionam, tudo porque não sei mexer com números, tudo porque não sou boa em jogos de adivinhação, não importa quão fáceis eles sejam. e eu me machuquei antes, umas tantas vezes (não poucas). e é impossível não pensar agora que se eu tivesse sido mais cuidadosa comigo mesma, tivesse prestado mais atenção nas coisas, tivesse me esforçado mais para fazer os cálculos necessários para descobrir a provável evolução dos acontecimentos, eu teria podido evitar tantas cicatrizes em mim. não me leve a mal, eu gosto de cicatrizes, de marcas, de tatuagens. gosto até de machucados. mas sei também que é muito fácil passar do limite, e que há marcas que poderiam ser evitadas, e que, se evitadas, deixariam a vida mais leve (pra sempre). porque as dores acontecem, e inevitavelmente acabam fazendo parte de quem somos, e é óbvio que há coisas boas em mim que talvez eu não tivesse conseguido desenvolver ou aceitar sem aqueles momentos de dor. mas as marcas que ficam podem continuar machucando pra sempre, e é aí que está o erro: se machucar, aprender com a dor, aceitar a marca que ela deixa e crescer, é uma coisa; passar o resto da vida olhando pra uma cicatriz e pensando "gostaria de nunca ter passado por isso", é outra bem diferente, e essa (eu posso te dizer) dói bastante. mas não se engane também, eu fiz as pazes com o meu passado, consigo ver a importância de cada cicatriz em mim, e não passo os dias me martirizando por tudo que passei. mas é inevitável: tem dias em que acordo com frio, o dia está cinza, a cama está vazia, o quarto está branco demais, eu estou sozinha demais no mundo, e eu realmente queria não ter passado por nenhuma dessas dores, para poder encarar esses dias como dias cinzas em que acordo com frio e a cama está vazia e o quarto está branco, sem que isso necessariamente signifique que eu estou sozinha demais no mundo. eu me perdi. o que eu ia dizer é que sinto medo quando percebo que não sei o que vai acontecer, especialmente se estou feliz, é domingo e faz sol e tudo bem se eu dormi menos do que eu queria e tudo bem se eu estou trabalhando e não num parque tomando sol como eu gostaria, só porque é domingo e faz sol e tudo bem. tudo bem: é o tudo-bem que me assusta, é o tudo-bem que me faz ter medo do que pode acontecer. quando tudo está bem, qualquer coisa é risco. porque já estive em momentos em que nada - absolutamente nada - estava bem, e te digo: pode ser bem mais fácil. você acorda, dorme, chora e reclama, mas no fim das contas você simplesmente não se importa. quando está tudo bem, você se importa. quando há amor, você se importa mais ainda: os riscos são maiores, os medos aumentam, e obviamente eu não passo meus dias assustada e chorando, porque gosto de pensar que não enlouqueci. mas é inevitável sentir esse medo de vez em quando, e querer perguntar pra alguém se vai ser sempre igual ou se dessa vez eu posso descansar e ir logo pra praia mais próxima aproveitar meus domingos com meu amor, sem me preocupar com o que vai ser e o que já foi. como sei que não há resposta pra isso, não vou cometer a crueldade de te fazer essa pergunta (já basta te escrever essas cartas), mas se algum dia alguma coisa mudar no mundo e você souber o que me responder; se você de repente acordar sabendo exatamente o que me dizer; por favor me escreva imediatamente. ou simplesmente apareça- me contento com um abraço.
sempre sua, _.

6.11.10

isso é saudade

choro quando lembro de buenos aires, da minha rua, da minha casa, da varanda do meu apartamento. eu morava no 9º andar, e gostava de ver tudo lá de cima- ainda que a vista não fosse particularmente bonita. logo em frente tinha uma varanda do outro prédio onde morava um velho muito assustador, e ao lado, um pouco mais pra frente, havia um prédio que parecia um robô triste. choro quando lembro de tomar café da manhã no delicity da esquina pra poder usar a internet (ou só porque a mediluna con queso deles era muito boa). lembro de todos os meus antojos e caprichos, de como eu sempre dava um jeito de resolvê-los, e de como eu tinha as melhores amigas possíveis. choro quando acordo com vontade de passar uma tarde lendo na praça e tomando sorvete freddo, e choro sempre que tenho vontade de reviver alguma daquelas nossas noites tão divertidas. choro de lembrar dos prédios lindos da recoleta e das casas lindas de almagro, choro ao lembrar de quando chegava em casa cansada, abria a porta do prédio, subia de elevador. choro por algo que nunca vou poder revisitar: aquela não é mais minha casa, e se eu passar por lá vou ser só uma estranha passando, sem reconhecimentos, sem lembranças. choro por saber que nunca mais vou ver a vista daquela varanda, que nunca mais vou ter aquelas tardes em praças e noites divertidas. choro porque sei que nunca mais vou ser aquela pessoa- e me dividir assim dói muito.